28.12.09

♦ Humildade



Tanto que fazer!
Livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva.
e os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê
(C. Meireles)

16.12.09

A saudade tal um óleo
obstinadamente me arrasta.

Vaga, a carga de lembranças
paralisa-me as horas,
imobiliza-me os olhos
e avança, em direção ao nada.

Rasga-me a íntegra pulverizada imagem.

A crispar idéias, dilacero a calma.
A lanhar a alma, meço a falta de tuas mãos.

Depois virão os ventos
e a porta que sangra fechada.

27.10.09

Conversação

O tumulto no coração
continua a fazer perguntas.
E então ele pára e se compromete a responder
no mesmo tom de voz.
Ninguém poderia dizer a diferença.

Sem inocência, essas conversas começam,
e, em seguida, envolvem os sentidos,
em meios significados somente.
E então não há escolha,
e então não há sentido;

até que um nome
e todas as suas conotações sejam os mesmos.


_______________E. Bishop

(Trad. Cláudio Rangel)

21.10.09

às vezes...

Às vezes tenho um Deus dentro de mim,
nesta alma que não crê e que não ora.
Pois que em tudo, num paradoxo sem fim,
O encontro cada vez com mais demora!

Pois se às vezes não O vejo no meu céu,
é cá dentro que a meus anseios replica.
Se um dia me atinge e me vara com arpéu,
noutro dia me sorri, abençoa e justifica.

Eu não creio, é verdade, nessa ordem;
nas ideias que Dele fazem e seduzem.
Mas vou sendo e fazendo se procedem
das razões, atos que a Ele reconduzem...

E assim, devagar, vou seguindo esta quimera
de quem por mim Nele crê, tem fé e espera...

5.10.09

Afoguei-me em teu olhar

Numa manhã fria de abandono
O meu olhar desconcentrado e lento
Moldou-se alheio ao fio do sono
No ocaso da noite e num mar de vento.
Mas uma ave soltou-se cá do fundo
Gritou, picou em voo liberto
E em sintonia de si com o mundo
Partiu de mim destino incerto.
E se estava perdido e merecido,
Um novo olhar de ver só meu,
Dissolveu-se na luz do que é sentido
E se afogou de encontro ao teu...

30.9.09

SOU GENTE

Tenho dias em que gosto de mim!
Marco encontro comigo.
Rio comigo e de mim!
Abraço-me, liberto-me, nas ondas, no vento.
Misturo-me na areia quente
Repouso nos meus sonhos.
Deslizo-me em azuis de vida.
Brinco com as lembranças e voo.
Nas montanhas, nos cheiros, na frescura dos verdes.
Nas águas, nos sorrisos e no sabor do horizonte.
Deixo-me ir ora anjo, ou eu simplesmente...
Procuro-me em cada olhar
Em cada gesto, em cada ave que passa.
Sem defesas tudo é claro e transparente.
E moldo-me ao silêncio que me escuta os sentidos, e adivinho…
Sou louco? Não! Sou gente!

22.9.09

Brincar de Amar

Brincar de amar o vento
sorvendo o sopro que me toca o rosto.
Brincar de amar o mar
na brisa que dele emana.
Brincar de amar o sol, a lua,
o mundo que me cerca,
inspirando-me, aquecendo-me
descobrindo voce.
Levar comigo a lembrança
dos momentos passados juntos,
dos medos curtidos
no silencio do meu quarto.
Carregar comigo a esperança
de sempre encontrar seu sorriso,
suas frases, seus trejeitos
e me sentir flutuar
a cada toque seu.
Buscar sempre consigo
o rumo, o prumo de nossas vidas.
Ouvi-la sempre a falar
"mas que menino bobo"
com aquele ar zombeteiro
de quem acha graça do meu medo.
Querer seu manso chamego
nos tempos vivos de ternura.
deitar na mansidão do seu colo e adormecer
ao compasso tranquilo do seu coração.
Perceber seus olhos brilhando
nos momentos de alegria.
Sentir-me nenem sedento
em cada momento de descoberta.
Brincando,
amar
você.

18.9.09



O que dizer nesta passagem?

Eu hoje estou inabitável.

18.8.09



Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar.

Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

(F. Pessoa)

15.8.09

Elocubrante

Música de rádio nos ouvidos
canção de liberdade n'alma
nas mãos os calos daqueles duros dias
quando o nada era tudo.
Quando o escrito era lei
e o grito o algoz.
Som de novo
a fazer barganhas impossíveis,
a trazer nas nuvens o sol raiado,
um pouco do absurdo de todos nós,
sorvidos em pequenos goles de cálice seco
evaporado pelo calor de nosso tédio
pelo ardor de nossa ira
ou pelo amor de nossos filhos, sei lá.
Do discurso louco de cada um,
um trecho de verbo forte,
um mundo de horizontes sem luz própria
e a lanterna do universo apagada na mão.


Julio Vianna